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sexta-feira, 4 de maio de 2012

Anencefalia: quanto tempo é possível sobreviver sem cérebro?


A anencefalia é caracterizada por uma má formação do feto, que não desenvolve o cérebro e o cerebelo. Foto: Getty Images/Terra
A anencefalia é caracterizada por uma má formação do feto, que não desenvolve o cérebro e o cerebelo
Foto: Getty Images/Terra
ANGELA CHAGAS
O Supremo Tribunal Federal (STF) vai decidir nesta quarta-feira se as mulheres podem interromper a gestação de fetos anencéfalos. A anomalia ocorre quando o embrião não desenvolve o cérebro e o cerebelo. Alguns especialistas defendem que o direito dessas crianças à vida deve ser respeitado, enquanto outros alertam para os riscos e traumas de uma gestação desse tipo. Mas afinal, é possível que um bebê que nasce sem cérebro sobreviva por muito tempo?
Segundo o médico docente em genética na Universidade de São Paulo (USP) e especialista em medicina fetal, Thomaz Rafael Gollop, a sobrevida sem a estrutura cerebral é, na maioria dos casos, de poucas horas. "A anencefalia é um defeito congênito, que atinge o embrião por volta da quarta semana de desenvolvimento, ou seja, numa fase muito precoce. Em função dessa anomalia, ocorre um erro no fechamento do tubo neural, sem o desenvolvimento do cérebro", diz. Para Gollop, a chance de sobrevida por um período prolongado é "absolutamente inviável".
Cinquenta por cento das mortes em casos de anencefalia são provocadas ainda na vida intrauterina. Dos que nascem com vida, 99% morrem logo após o parto e o restante pode sobreviver por dias, ou poucos meses. "Os que sobrevivem, conseguem fazer o movimento involuntário de engolir, respirar e manter os batimentos cardíacos, já que essas funções são controladas pelo tronco cerebral, a região que não é atingida pela anomalia. Alguns não precisam do auxílio de aparelhos e chegam até a serem levados para casa, mas vivem em estado vegetativo, sem a parte da consciência, que é de responsabilidade do cérebro", afirma o professor de bioética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), José Roberto Goldim.
O especialista em bioética defende que é um equívoco afirmar que os bebês anencéfalos são "natimortos cerebrais". Ele diz que o Conselho Federal de Medicina revogou uma resolução em 2010 que tratava os casos de anencéfalos como morte encefálica, já que eles apresentam uma "viabilidade vital". "O mais importante é desmistificar a visão de que a anencefalia é incompatível com a vida extrauterina. Temos um caso em Porto Alegre, no Hospital de Clínicas da UFRGS, de paciente que viveu quatro meses. Enquanto para algumas mães é um sofrimento levar adiante uma gestação que vai resultar em morte, para outras é importante permitir o curso natural até a morte", diz ao defender o direito de escolha nesses casos.
Já os casos de bebês que apresentam uma sobrevida maior - de até 2 anos - os especialistas concordam que não podem ser considerados anencefalia. Thomaz Gollop cita como exemplo a menina Marcela de Jesus Galante Ferreira, que sobreviveu 1 ano e 8 meses após ser diagnosticada como anencéfala. Para o geneticista, esse é um caso extremamente raro de uma anomalia chamada merocrania - quando há resquícios do cérebro revestido por uma membrana que protege contra infecções e prolonga a expectativa de vida. "Mesmo assim, todos os casos também culminam na morte".
Brasil é o quarto País com maior incidência de casos
A incidência é de aproximadamente um em cada mil nascimentos no Brasil. "Isso corresponde a cerca de 3 mil casos por ano", afirma Gollop. Segundo ele, o País é o quarto do mundo com o maior número de casos de anencefalia. Em primeiro lugar está o País de Gales. "Não sabemos por que da incidência maior nesses países, já que apresentam características tão diferentes", afirma.
A ciência ainda não sabe explicar exatamente as causas da anencefalia. Gollop explica que ela é uma condição multifatorial, influenciada por fatores genéticos, ambientais, sazonais e geográficos. O médico disse ainda que há formas de prevenir pelo menos metade das ocorrências a partir da ingestão de ácido fólico (um tipo de vitamina B) dois meses antes e no primeiro mês da gestação.
Diagnóstico
O diagnóstico pode ser feito a partir do terceiro mês de gestação por meio de uma ultrassonografia. Segundo Gollop, mesmo que a anomalia seja detectada precocemente, não há mecanismos que possam ser adotados para salvar o feto. Segundo ele, a partir do diagnóstico as mães que querem interromper a gravidez precisam recorrer a uma decisão judicial, que normalmente leva em torno de 15 dias. Se os ministros do STF decidiram pela regulamentação da interrupção da gravidez nesses casos, Gollop destaca que as mães que desejarem manter a gestação terão seu direito assegurado. "Muitas mães preferem seguir com a gestação e isso também precisa ser respeitado", afirma.
Os especialistas afirmam que esse tipo de gestação apresenta alguns riscos. Como a criança não tem reflexos para engolir o líquido amniótico, ele fica retido no útero, que pode não contrair na hora do parto, provocando hemorragias. Outros problemas mais comuns em gestações de risco podem ocorrer, como desenvolvimento de hipertensão e deslocamento da placenta.

Aborto de anencéfalos não é mais crime, decide STF


O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira que não é mais crime o aborto de fetos anencéfalos (com má-formação do cérebro e do córtex - o que leva o bebê à morte logo após o parto). Já era permitida a interrupção da gestação em casos de estupro ou claro risco à vida da mulher. Todas as demais formas de aborto continuam sendo crime, com punição prevista no Código Penal.

A antecipação do parto de um feto anencéfalo passa a ser voluntária e, caso a gestante manifeste o interesse em não prosseguir com a gestação, poderá solicitar serviço gratuito do Sistema Único de Saúde (SUS), sem necessidade de autorização judicial. Os profissionais de saúde também não estão sujeitos a processo por executar a prática.

Para os demais tipos de aborto, a legislação brasileira estabelece pena de um a três anos de reclusão para a grávida que se submeter ao procedimento. Para o profissional de saúde que realizar a prática, ainda que com o consentimento da gestante, a pena é de um a quatro anos.

Segundo o relator do processo no STF, ministro Marco Aurélio Mello, já foram concedidas 3 mil autorizações judiciais no País para interrupção da gravidez de feto anencéfalo. A cada mil recém-nascidos no Brasil, um é diagnosticado com a má-formação cerebral. Esse índice deixa o Brasil em quarto lugar no mundo com mais casos de fetos anencéfalos, atrás de Chile, México e Paraguai.

A anencefalia é definida na literatura médica como a má-formação do cérebro e do córtex do bebê, havendo apenas um "resíduo" do tronco encefálico. De acordo com a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), a doença provoca a morte de 65% dos bebês ainda dentro do útero materno e, nos casos de nascimento, sobrevida de algumas horas ou, no máximo, dias.



O julgamentoO placar final do julgamento foi de 8 a 2, em sessão que começou ainda na manhã de ontem. O caso chegou à Suprema Corte há oito anos, movida pela CNTS.Naquele mesmo ano, o ministro Marco Aurélio Mello concedeu liminar para autorizar a antecipação do parto quando a deformidade fosse identificada por meio de laudo médico. 
Porém, pouco mais de três meses depois, o plenário decidiu, por maioria de votos, cassar a autorização concedida. Em 2008, foi realizada uma audiência pública, quando representantes do governo, especialistas em genética, entidades religiosas e da sociedade civil falaram sobre o tema.

"Cabe à mulher, e não ao Estado, sopesar valores e sentimentos de ordem estritamente privada, para deliberar pela interrupção, ou não, da gravidez (de anencéfalos)", disse ontem o relator do processo, ministro Marco Aurélio Mello, que votou pela descriminalização do aborto de anencéfalos.

Além de Marco Aurélio, votaram a favor da prática os ministros Rosa Weber, Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ayres Britto, Gilmar Mendes e Celso de Mello. Divergiram da maioria dos ministros Ricardo Lewandowski e o presidente do STF, Cézar Peluso.

"A ação de eliminação intencional da vida intra-uterina de anencéfalos corresponde ao tipo penal do aborto, não havendo malabarismo hermenêutico ou ginástica dialética capaz de me convencer do contrário", disse Peluso. "Ser humano é sujeito. Embora não tenha ainda personalidade civil, o nascituro é anencéfalo ou não investido pelo ordenamento na garantia expressa, ainda que em termos gerais, de ter resguardados seus direitos, entre os quais se encontra a proteção da vida", argumentou.

O ministro Dias Toffoli não votou porque se declarou impedido. Ele atuou no processo quando era advogado-geral da União.



Texto retirado na integra sem alteração do site: http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI5716187-EI306,00-Aborto+de+anencefalos+nao+e+mais+crime+decide+STF.html